Ela
correu o máximo que podia, pisou no cascalho com os pés descalços e o vestido
arrastando na poeira. Correu o máximo que podia, pra chegar lá e não ter o merecido.
Sempre assim, disse uma senhora de idade quando me contava o caso. A cidade
inteira sabia, que calúnia, a família era tão boa, sempre pagava o mercado.
Agora esse fato. “Uma laranja podre toda família tem.” É o que o vizinho disse.
Procurei a mulher por toda cidade e nada.
O
que eu sabia era que ela fugiu do casamento, dizendo que percebeu a velocidade
do trem. A cidade inteira comenta dela até hoje, fazendo cinco anos hoje o
ocorrido. Mas lá estava eu no meio de tantas perguntas e fofocas. Mas primeiro,
vamos ao o porquê de eu estar lá, no meio de tanto boato. Nunca tinha ouvido
falar na cidade e muito menos na garota. Foi em um domingo na hora do almoço
que minha amiga me ligou, dizendo que eu deveria sair de casa e aproveitar o
dia. Desliguei na hora. Filosofia barata eu ganho no Tumblr ou no Facebook. Ela
retornou mais tarde, e dessa vez me disse pra procurar tal garota da sua cidade
que se parecia muito comigo.
Perguntei se era pela aparência e se eu iria
ganhar um dinheiro com isso levando ela junto comigo para um programa de
auditório, mas ela disse que isso nunca iria acontecer. Não insisti em saber o
motivo, mas acho que é pela minha cara horrenda não ser aceita na TV. Minha
amiga me deu uma passagem de ida para a pequena cidade, não era muito cara por sinal.
Porém ela insistiu e eu fui.
Cheguei
lá e fui ao mercado principal. Duas senhoras e um menino cabeludo me contaram
toda história. Fui atrás da família e eles se mudaram, porém me informaram que
a tal mulher ainda vivia por ali, escondida em algum lugar. Passei duas noites
na cidade, aproveitei férias do trabalho e lá fiquei. No último dia fui até um
vilarejo ali perto e pela boca de uma menina muito sabichona (tive que pagar um
refri a ela) a tal mulher morava em uma casa abandonada e que ela tinha tudo
antes do casamento, e teria se tivesse concluído o casório. A menina foi até um
ponto na estrada comigo, “moço pode seguir o caminho, não vou porque ela é
louca, fica escrevendo nas paredes e fica rodando igual pião.”
Cheguei
ao portão, a frente tinha realmente uma casa abandonada, escondida entre arvores
e vários pedregulhos, eu nunca moraria ali, imaginei na hora a quantidade de
insetos. Chamei, e já fui entrando, dei de cara com ela na janela, o vidro
estava quebrado. Ela assustou e eu dei um pulo. Clássico.
Mas
se eu pudesse descrever a mulher, eu diria que ela tinha os olhos mais sombrios
que eu já tinha visto em toda minha vida, nunca vou ver algo tão arrepiante,
mas o resto era bonito, o corpo, o cabelo, e sorriso. Ela me convidou para
entrar, ficamos conversando, até que ouvimos um barulho de moto. Ela sorriu
trêmula e pediu que eu me escondesse no guarda-roupa velho que ali tinha. A
casa estava toda destruída, paredes quebradas, mas tinha um guarda-roupa.
Fiquei ali quieto, fiz o que ela queria porque meu medo crescia a cada
instante. Ela foi ver quem tinha chegado, escutei voz de homem. Ele gritava.
Ela chorava baixinho. Os dois entraram.
Por
um buraco no móvel eu consegui ver quem era. O noivo, mais gordo que nas fotos
e mais barbudo. Ele a sacudia pelos braços, eu tentei sair, mas ele puxou uma
arma da calça. Se Deus me escutou naquele momento, ele ouviu todas as rezas em
poucos segundos. Ele apontou a arma pra ela e disse que sua vida tinha acabado.
Ela disse que não podia, admitiu a culpa, mas não podia ter casado. Disse que a
vida era mais do que isso, mais do que ter um amor, mais do que esperar o homem
certo, mais do que se reservar, mais do que ficar louca depois que descobrir o
sentido da vida. A última coisa que ela disse para ele foi em vão, ouvi o
disparo e a vi cair no chão sujo. Ele saiu dali correndo, escutei a moto se
afastando. Saí o mais rápido o possível, cheguei à delegacia, me meti em uma
encrenca, sendo um suspeito, vi meus pais chorando, afinal o que eu, um cara
estranho foi fazer ali. Logo depois o noivo admitiu a culpa, saí da delegacia
aliviado, fui para a casa dos meus pais e comi a maior quantidade de pães de
queijo da minha avó. A massa é boa, recomendo.
Mas
ainda hoje penso na pobre mulher, para ela, eu fui a última pessoa e a única (eu acredito)
que a entendeu. Por alguns minutos nos sentimos próximos,
mesmo que ela falava rápido eu consegui entender o seu desespero, a sua angústia,
o seu abandono, sua solidão, sua vontade de correr mais rápido possível de
tudo. A última coisa que ela disse foi em vão para o noivo, mas para mim, foi
mais do que uma frase, foi algo libertador, ela apenas disse que a velocidade é
incalculável, mas o trem um dia para, ou se acidenta.
“moço pode seguir o caminho, não vou porque ela é louca, fica escrevendo nas paredes e fica rodando igual pião.” que bonito.
ResponderExcluirtexto novo kd
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