quarta-feira, 8 de maio de 2013

Cola


Lana Del Rey em
Born to Die - The Paradise Edition

Colocou as mãos no joelho, se sentiu um pouco confortável com a pergunta do analista, respirou fundo e...
“Estou em um inferno doutor, conheci uma mulher há um tempo, acho que foi na padaria da esquina...”
“Foi na padaria, um domingo cinzento, fui comprar os pães para o café da tarde, Carlos estava deitado no sofá esperando o jogo, João Emanuel estava na pracinha brincando com os amigos da escola, e o Vitor estava fazendo alguma coisa no quarto que eu não consigo me lembrar. Lembro que deixei cair o refrigerante no chão, e o moço atrás pegou...”
“Era fanta, dois litros e meio ainda. Pensei que era para ela e a família mesmo. Sabe, quando se tem 35 anos você reconhece quem é casado só pelos olhos. E ela tinha aquela expressão de mãe, cansada, mas ela sorriu, e tinha um sorriso de jovem. Lembrei da Ana, que por sinal me ligou outro dia e...”
“Eu senti atraída por ele, claro. Um homem um pouco mais jovem que eu tinha sorrido pra mim de volta. Me senti um lixo. Não, não é comum uma mãe de família se sentir atraída por esses homens que têm o sorriso sedutor. Ele então puxou assunto, falou do pão, da...”
“Falei da merda da fanta, odeio fanta, ainda mais de laranja. Me lembra aquelas vitaminas que a gente toma quando tá gripado. Sabe? E continuamos sorrindo, até que chegou a hora de pagar, a mulher não tinha dinheiro...”
“Como sou burra, eu jurava que tinha pegado a bolsinha com o dinheiro. Jurava. Mas por sorte ele me ajudou a pagar. Foi um momento estranho, enquanto eu tentava falar com o caixa para anotar, uma nota de 10 reais passou na minha frente...”
“Paguei pra ela. Não vi nada demais, tinha uma senhora atrás da gente com uma criança insuportável. Queria ir pra casa e terminar o desenho da casa logo. Eu só queria ir pra casa, mas a bendita me segurou até...”
“Agradeci, claro. Fiquei muito desconcertada, aí chamei ele para ir até minha casa para pagá-lo. Não gosto de dever ninguém.”
“Ela não morava longe, era no mesmo quarteirão. Era uma casa imensa, já tinha passado por lá, tem uma grama na frente e uma garagem para dois carros. Ela é rica, ou o marido sei lá, não fiz questão de entrar, esperei de fora.”
“Entreguei o dinheiro, toquei a mão dele, e ela tava quente. Muito quente. Senti atraída de novo, me sinto suja até agora. Então ele fez aquilo de novo, deu aquele sorriso e eu queria ter beijado. Mas lembrei do Carlos, lembrei de quando passamos pelo transtorno da traição dele, lembrei das crianças, elas já não gostam de mim por não ser a mãe biológica. Me sinto suja, me sinto como...”
“Claro que eu estou confuso, ela sorriu de volta. Ninguém sorri de volta hoje em dia, todo mundo quer coisas rápidas, e eu sou viado cara, não sou de pegar mulher. Sou viado.”
“Despedi do homem, agradeci de novo e ele foi embora. Eu me sinto suja, queria ter contado pro Carlos, mas não sei, tenho medo...”
“Eu acho que gostei dela, e do sorriso. O que eu faço?”

4 comentários:

  1. Muito bom, adorei a jogada dos diálogos!

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  2. Há tanto tempo que não venho deslizar os olhos nas suas palavras coreografadas e é reconfortante ver que sua escrita continua melhorando, que não perdeu o elemento surpresa que estala ao fim de cada texto. Pelo título, a expectativa que surge diverge totalmente do que é encontrado no decorrer da história e eu realmente apreciei isso. É que eu gosto do jeito que você leva as coisas, do seu molejo, sabe?

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    1. Que honra ter um leitor como você, que por sinal escreve muito bem. Obrigado pelos elogios, hahaha.

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