domingo, 27 de maio de 2018

Shadow

Chromatics (2017)

Colocou o celular na jaqueta, apertou o botão vermelho e sentiu a vibração indicando que por fim, desligou. Noite fria de um junho, oito da noite de uma quarta-feira, 2005. A jaqueta incomodava um pouco, mas era o que tinha para a ocasião, se sentiu seguro por não ser o único no ponto esperando o ônibus.

No caminho, durante todas as voltas pelo centro paulistano, ficou pensando em qual desculpa daria pelo atraso, “trânsito, você sabe” “mas você nem ao menos possui carro”, “fiquei até tarde no trabalho” “nós estávamos no escritório, vimos você saindo cedo”, “estava com a Paula” “vocês não terminaram?”, balançou a cabeça desistindo da ideia. Era só um evento da agência, apenas aparecer, dizer oi e sair. Simples.

Todos sorridentes, uma entrada calada, no meio de algumas pessoas barulhentas. Pegou um copo de cerveja e se dirigiu aos colegas do dia-a-dia, ninguém perguntou sobre o atraso, “eu sabia que ninguém daria à mínima”.  Não bebeu nada, lembrou-se do que Sofia disse na última sessão.  Em um grupo de cinco pessoas, havia um que não parava de beber, outro que só ficou na sacada fumando, um que só comeu doces, a garota que não parava de falar do trabalho e claro, ele, ali, olhando para o nada e segurando um copo de cerveja quente.

Palmas, diretor agradecendo pelo fantástico ano, blá, passou pelo entusiasmo momento, desceu as escadas e já estava no centro antigo. Colocou as mãos no bolso da jaqueta, entrou na minúscula porta. Dentro de um quarto, luz baixa, apenas esperava. “De novo?” “eu preciso”.  Em um momento pensaria em todo o ambiente sórdido, a poeira atravessando a luz vermelha, o barulho dos quartos ao lado, o cheiro de látex, o corpo esculpido em sua frente parecia destoar de tudo ao redor.  Os cabelos negros, o olhar fixo, o abdômen duro, os pelos indicando a idade, 20 anos ou menos.


Era a quarta vez em menos de uma semana, após ali, iria para outro lugar parecido, deitar-se com outro abdômen, e logo após, um lugar onde todos deitariam juntos. Não cruzava o olhar com nenhum estranho na rua, não havia visto nenhum conhecido por dias, não manteve nenhuma conversa sobre o tempo, mas era ali, no meio do suor, do cheiro de outras pessoas que mal sabia reconheceria seus rostos,  que sentia uma ponta de vida. Até chegar o dia seguinte. 


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